Já faz algum tempo que deixo meu
carro na garagem e caminho pela cidade observando o comportamento humano. Em um
domingo desço pela rua de minha morada, uma servidão tranquila e que um dia foi
Condomínio de uma única família, e desbravo um cantinho da cidade que escolhi
para um tempo. Essa tal ruazinha de que falo, e habito, e que construí meu
castelo, é estreita, mas está bem calçada, iluminada com o amarelado tristonho
de luzes antigas; algumas portas e janelas próximas a calçada, como em Azenhas
do Mar, em Portugal ou Albarracín na Espanha.
Dessas belas recordações de
viagem às tristes memórias de certos momentos, a reflexão leva-me à um dia de
domingo e relembro que, já passado alguns meses, quando descia pelo mesmo
caminho que habituei-me a fazer desde quando resolvi, neste recando,
resguardar-me um pouco mais, como a um ermitão, da vida atribulada que tive, deparei-me
com um gemido:
-----“Vou morrer!"
-----“Mulher, eu vou morrer?”
Todos iremos morrer..., hoje,
amanhã, todos os dias, um dia...
Entristeceu-me àquele lamento de
uma pessoa que conheci, mesmo que eventualmente; a voz deixou transparecer não
só medo, mas dor e uma certeza escondida na aflição que deve anteceder aos
desenlaces humanos.
Toda vez que passo em frente àquela
casinha elevo meu pensamento a Deus e faço uma oração por àquela alma.
Os acontecimentos são um
turbilhão em meus pensamentos e caminhar pela cidade faz-me pensar sobre cada
passo dado, sobre cada espaço em que me extasio ou me entristeço, sobre cada pessoa
anônima que vejo.
Aqui e acolá grupos de pessoas
sorriem, conversam; alguns cabisbaixos, outros em passos acelerados e àqueles
que estão jogando conversa fora e chutando algumas pedras pelos seus caminhos.
Bares; muitos bares, afinal é uma
cidade turística e, parece-me, que o único cantinho que sobrou com absoluto silencio
é onde volto depois para descansar: O meu castelo, a minha servidão, o meu lar.
Um bar chama minha atenção com
mais ou menos 20 pessoas, todos jovens; mais outro bar e mais outro. Estou
próximo à universidade e mesmo aos domingos os jovens ali se reúnem.
Um outro recanto de encontros faz
meu olhar observar que não somente o calor faz com que as pessoas bebam muito;
é o vício, o costume, os encontros entre amigos ou namorados. A bebida é o que
permeia todas as mesas e em cada mesa muitas ilusões. São tais ilusões que
observo no homem; este ser ereto que equilibra-se em um mundo de exibições. Sozinho,
angustia-se; em multidões nunca consegue expressar Alteridade.
Nesse viés seguimos fazendo o
mundo e, ao mesmo tempo, nós fazendo no mundo! Uma pergunta, porém, inquieta-me:
Que mundo? Que mundo estamos fazendo? Estamos fazendo ou destruindo o mundo já
existente?
Enquanto o homem continuar
acreditando na sua supremacia e na possibilidade infindável das suas
descobertas, sem dar-se conta de reconhecer sua ignorância, finitude e a
finitude do próprio mundo, caminhará para antecipar sua própria destruição.
Este homem petulante que se
acredita poderoso, empunhando a ciência como um trunfo do seu poderio, nunca
observando o que transcende ao mundo e ao seu próprio mundo, morrerá sem saber
e sem percorrer o seu infinito.
Observo também que tal poder se
desfaz quando tragédias apontam ao homem sua inércia e impotência; então de poderoso
torna-se religioso e clama por Deus em orações.
À minha frente uma igreja; sim,
em tais andanças também encontro e encontrei muitas igrejas e sem nenhuma
curiosidade, como àquelas do tempo de menino, eu perpasso a grande porta de
madeira nobre; verniz escuro, torneada com desenhos abstratos em trabalho
perfeito do Artífice. Agora não é curiosidade como o menino de um dia; observar
tais entalhes é extasiar-se com a arte e reconhecer que a mão do homem quando
faz coisas belas tem um aporte divino.
Uma outra arte, a do sermão, ou
do discurso, é tarefa de um Padre, quem sabe Dominicano ou seria Jesuíta? Ou
Franciscano? A arte de um sermão informa, encanta, orienta e apazigua nossa
alma; seja de qual ordem for, o Padre que tem o dom e a arte de falar deixa-nos
bastante atentos à seu sermão, quiça como fazia o Padre António Vieira, que
hoje se lê com emoção: “Primeiramente,
digo que temos hoje nascido de Maria a Cristo, Senhor nosso, não como nasceu há
três dias, mas com outro nascimento novo. E que novo nascimento é este? É o
nascimento com que nasceu da mesma Mãe daqui a trinta e três anos, não em
Belém, senão em Jerusalém. Isto é o que diz o nosso texto, e provo: Maria, de
qua natus est Jesus, qui vocatur Christus: Maria da qual nasceu Jesus, que se
chama Cristo. - Cristo quer dizer ungido, Jesus quer dizer salvador. E quando
foi Cristo salvador, e quando foi ungido? Foi ungido na Encarnação e foi
salvador na cruz. Foi ungido na Encarnação quando, unindo Deus a si a
humanidade de Cristo, a exaltou sobre todas as criaturas, como diz Davi: Unxit
te Deus, Deus tuus, oleo laetitiae, prae consortibus tuis. - E foi salvador na
cruz, quando por meio da morte, e pelo preço de seu sangue, salvou o gênero
humano, como diz S. Paulo. Factus obediens usque ad mortem, mortem autem
crucis. Propter quod et Deus exaltavit illum, et donavit illi nomen, quod est
super omne nomen, ut in nomine Jesu omne genu flectatur. - Logo, quando Cristo,
Senhor nosso, nasceu em Belém, propriamente nasceu Cristo, mas não nasceu
Jesus, nem salvador: nasceu Cristo, porque já estava ungido pela união
hipostática com que a Pessoa do Verbo se uniu à humanidade; e não nasceu Jesus
nem salvador, porque ainda não tinha remido o mundo, nem o havia de remir e
salvar, senão em Jerusalém, daí a trinta e três anos.” (Sermão XIV (1633) -
Edição de Referência: Sermões. Vol. V Erechim: EDELBRA, 1998).
Andanças, quem sabe seja este o
título adequado para escrever sobre minhas caminhadas que geram reflexões,
encontros, sonhos, textos e a certeza, em oposição a Sartre, de que não estamos
sós no mundo!
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos.” (Mt
28,20)
Continua...
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