sexta-feira, 24 de junho de 2011

APOSENTADO

Dos tantos medos que nos assolam existem àqueles que são provenientes de lembranças traumáticas reprimidas e não estão disponíveis à consciência. Freud tinha como ponto nuclear da sua psicanálise a convicção da existência do inconsciente como um receptáculo dessas lembranças traumáticas reprimidas. Designava também um outro aspecto do inconsciente: o de reservatório de impulsos, fonte de ansiedades, pois o indivíduo não os aceitava tendo em vista suas convicções sociais e éticas. 

Esses impulsos reprimidos faz do ser um não ser. Por ocultar, esconder, amordaçar aquilo que acredita não ser aceito ou não estar de acôrdo com as normas estabelecidas socialmente, culturalmente ou em conformidade com a moral existente; o indivíduo é aquilo que não é! Expressa-se como um rei agonizante, escondido pela máscara de ferro. O que o faz ser é o não ser. O ser está escondido e amordaçado pelo inconsciente que não lhe permite dialogar com o consciente.

Os conteúdos do inconsciente somente dialogam com o consciente de forma disfarçada, como em sonhos; muitos fantasiando uma realidade escondida; um medo; um trauma; uma angústia; uma vergonha. Sonhamos com aquilo que está escondido em nós e acreditamos tratar-se de quimera. Ao acordarmos tudo não passou de uma fantasia de noite mal dormida.

Certamente que escondidos no fundo de cada um de nós estão as mais traumáticas experiências, reprimidas em nossos primeiros anos de vida. 
 
Esses conflitos emocionais inconscientes podem ser dados à conhecer. 

A psicanálise tem por finalidade dar ao indivíduo a possibilidade de conhecer seus conflitos emocionais inconscientes, trazendo a tona aquilo que estava reprimido por força das exigências sociais que tornaram esse indivíduo aquilo que ele não é.

E, assim, somos todos nós. 

Talvez tenha chegado a hora de eu tornar meu medo inconsciente desnecessário e transformá-lo em um viver melhor.

Eu próprio sempre tive medo do ócio, escondido pelo meu inconsciente lá estava a imposição de uma sociedade que dizia, àquela época, que o trabalho dignificava. Mas o que era trabalho? O esforço físico, em que mãos e pernas governavam o meu fazer? O ir e vir do operário padrão, que nunca faltou, nunca chegou atrazado, sempre disposto a chegar antes e sair depois esquecendo-se do seu viver? O que a sociedade designava como trabalho impondo-o a mim?

Pois, cada um de nós pode dar o seu basta sem que isso seja éticamente incorreto. Existe o ócio criativo e nem por isso precisarei gastar mãos e pernas na crença de que sómente elas podem produzir!

O medo de parar numa sociedade que o empurra a executar tarefas empíricas como se fossem a razão de ser do homem é uma exigência reprimida a ser desfeita.

Não é mais possível deixar-se dominar pelo adágio popular imposto pela sociedade de que ao aposentar-se o homem morre. Dê uma tarefa à ele para que não morra! Não o deixe parado; não o deixe pensando! Sacuda-o para que possa continuar vivendo!

Pois eu morri para essa sociedade e a partir de agora passo a viver!

Viver e sentir a vida exige de cada um de nós a coragem de saber viver. A coragem de saber a hora do fazer e a hora do não fazer. A coragem de parar para continuar. A coragem de colocar no curriculum vitae o ítem "aposentado".

3 comentários:

Aline Goulart disse...

Segundo o meu pai, chegou a hora de tirar umas férias prolongadas, risos. Adorei o texto. Você tem uma cultura incrível. Beijinhos.

PRECIOSA disse...

Passei para saborear com um ótimo texto...
Desejo a tí uma semana iluminada

Preciosa Maria

Astrid Annabelle disse...

Eu não gosto da palavra "aposentado"!
Ela trás escondida uma sentença de morte. Serve para aquelas pessoas que já estão mortas, pois não realizam o que gostam...somente estas se aposentam. Quem gosta do que faz continua trabalhando mesmo que mude radicalmente de função.
Belíssimo texto! Parabéns!
Nessa balada ficaríamos horas conversando...
Beijos
Astrid Annabelle