sábado, 24 de abril de 2010

Isabella Nardoni

Repetir o que os meios de comunicação estão fazendo desde a morte da menina Isabella seria cair na mesmice e na histeria coletiva; isso mesmo! Histeria coletiva é o que se viu e ouviu nestes dois anos, fomentada pela imprensa e, estarrecedoramente, agora no julgamento dos possíveis responsáveis pelo crime, à frente do fórum de Santana em São Paulo.

Como nos embates do Coliseu, entre humanos e animais, o povo paulistano, representando os teleguiados pela imprensa de todo o país, se acotovelaram em frente ao local do julgamento para grunhir, como os leões sedentos de sangue da arena romana.

A condenação do pai e da madrasta daquela menina não significa o encontro com a verdade e tão pouco a certeza absoluta de que a justiça triunfou.

Sem provas testemunhais e sem confissão, o embate jurídico ficou por conta das provas técnicas que, podendo ser falíveis, ainda foram manuseadas por agentes que não tiveram o cuidado de preservar o local do crime onde as referidas provas foram colhidas; alem de, eles mesmos, chegarem a macular tal local utilizando-se dos utensílios domésticos lá existentes para satisfazerem seus desejos com cafeína.

Mais estarrecedor ainda foi o julgamento, que incluiu sete jurados com pré-conceitos acumulados por dois anos de massificação televisiva; um promotor que primou pela visão parcial definida pelo Ministério Público, que busca apenas acusar em detrimento da busca pela verdade; um advogado que se rendeu ao mito da fama, amedrontando-se perante há um Promotor Público experiente, aceitando o caso com o espírito de perdedor.

Aliado a todas essas variáveis estava nas galerias do coliseu o povo, clamando por sangue há dois anos e havido para colocar na arena os leões famintos, prontos a degustar cristãos indefesos.

Quem matou Isabella Nardoni¿ eu confiaria muito mais no julgamento do Juiz Togado que, embora não esteja imune ao clamor popular, é elemento com formação jurídica adequada para procurar no mínimo chegar à verossimilhança. Não acredito em um júri popular sem a variável interveniente da emoção, mas dou voto de confiança ao rigor científico de um Magistrado.

Vou negar-me veementemente a supor que um pai jogaria sua própria filha por uma janela, mesmo que fosse para defender sua companheira de uma possível acusação; mesmo que soubesse que a filha já estivesse morta. Eu não quero acreditar nessas hipóteses, mas sei que existem, infelizmente. Mesmo nesse caso específico eu quero negar à minha consciência que um pai tenha assassinado sua filha. Entretanto, um crime foi cometido! Resta saber quem cometeu tal atrocidade. Sem histerias coletivas; sem pré-conceitos; sem teleguias; sem opiniões. A busca pela verdade exige rigor científico e a sobreposição da razão, ao invés da emoção.

Quem não tem compromisso com a verdade de um determinado caso deveria afastar-se de certas situações, como aquela de ser jurado em um tribunal; o pior de tudo é que muitas pessoas comuns se inscrevem apenas para satisfazer seus egos, para se fotografarem ilusoriamente como “magistrados” em júris que determinam a vida de certas pessoas.

Imagine-se a prisão perpétua ou a pena de morte! Embora muitas vezes necessárias, ainda bem que não a temos em nosso cabedal jurídico, porque para isso seria preciso primeiro que preparássemos muito bem os julgadores, pois de arena a Roma antiga já saturou o mundo!

A ARENA DO FORUM DE SANTANA

Após a condenação dos réus a arena do fórum de Santana se consubstanciou. Gritos, foguetes, alegria. Parecia estádio de futebol. Era final de copa do mundo. Junto a toda essa euforia estava o vandalismo, a brutalidade e a transgressão. Mães com crianças de colo, em berços, na madrugada paulistana garoada; crianças com cinco, seis, sete anos de idade, gritando,pulando e quase sendo atropeladas pelos veículos oficiais; homens e mulheres de punho em riste socando a lataria dos veículos prisionais; gritaria e corre-corre; foi necessária a intervenção policial até com artefatos de dispersão, como o gás de pimenta, para instaurar um mínimo de ordem naquele final de julgamento. O que foi aquilo meu Deus!

Histeria coletiva! Seguramente uma histeria capitaneada pela força dos “meios de comunicação” que condena e absolve, elege e cassa, vende e compra; decide qualquer coisa, qualquer resultado, usando sempre o povo como massa de manobra.

Das infrações mais gritantes, naquela euforia descabida em frente ao Fórum de Santana, estava a das mães, com crianças de colo, ou em berços, correndo feito loucas em meio à multidão, gritando impropérios e saltitantes como em final de festa; de pais socando veículos oficiais dando exemplo de brutalidade a seus filhos, que os imitavam, em meio à balbúrdia e a contravenção, inclusive a de confronto com policiais.

Era isso que se esperava no final de um julgamento sério? esqueceu-se que estava em jogo à vida de pais e de filhos¿ esqueceu-se que o casal Nardoni além de estar sendo acusado da morte da filha de um deles, tinha, eles dois, filhos menores que os aguardavam com ansiedade? esqueceu-se que a menina Isabella, embora morta, tinha seu pai sendo julgado? esqueceu-se que foram mandadas para a prisão duas pessoas presumidamente criminosas, mas que se deixa livres pelas ruas outras pessoas com crimes maiores e não se dá atenção a isso? esqueceu-se da morte diária de crianças, como Isabella Nardoni, e de criminosos confessos, assassinos conhecidos, que transitam livres como pássaros cometendo mais crimes? esqueceu-se que, embora mandados para a cadeia dois presumíveis criminosos, prendemos também a vida de outras duas crianças, alijadas da presença de seus pais?

O que tinha então a comemorar em frente ao Fórum de Santana aquela multidão de marionetes?

Criminosos ou não o Casal Nardoni está preso. E, de acordo com a justiça brasileira o caso foi solucionado. Tal fato não deveria ser de festa e sim do dever cumprido, e só! O fato de tornar o promotor público um herói e o advogado de defesa o vilão faz da justiça brasileira uma instituição com vínculos profundos ligados a idade média. Isso seria suficiente, e o é, para que o Poder Judiciário tomasse providências com relação ao foguetório festivo que a imprensa fomenta em cada caso que eles mesmos tornam ruidosos para lhes renderem frutos financeiros.

A Justiça Brasileira, o Judiciário, e mesmo os mais populares como o Legislativo e o Executivo são instituições que deveriam ser imaculadas; mesmo que seus componentes sejam falíveis deveríamos salvar as instituições brasileiras. É o que nos restaria, apenas, para podermos encher a boca com palavras como democracia que, infelizmente, hoje nada mais representa do que baderna e confusão.

Tecnicamente o resultado do esforço do Promotor Público foi justo. Pelas provas coletadas através de um processo que se divulgou como o mais moderno na atualidade os assassinos da menina Isabella foram julgados e condenados. Lamento se o pai estava realmente envolvido no crime, e me recuso a acreditar que o tenha cometido, embora me curve aos resultados periciais.

Coloco-me no lugar da menina Isabella, se viva fosse, e estivesse vendo seu pai ser julgado pelo assassinato de um irmão. Creia, é o mesmo sentimento dos outros filhos daquele casal; suas vidas foram decididas pelo resultado do julgamento de quatro jurados populares que sem qualquer sombra de dúvida ouviu mais a imprensa em dois anos do que os argumentos da defesa e da promotoria em cinco dias.

Que as conclusões, de senso comum e não científica é claro, fique com os leitores; de minha parte sempre estarei ao lado daquele que busca a verdade, mesmo que a consiga apenas no nível da verossimilhança.