quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O INFINITO DO ARTISTA

Seria tautológico dizer que a obra de arte é aberta, pois ela o é. O artista quando inicia o processo de criação está envolto em sua objetividade e em sua subjetividade; seu cotidiano não difere do cotidiano que cerca todos os humanos que habitam uma sociedade, e nesse processo de criação está envolto e com ele se confunde. Entretanto, como artista, no processo de criação sua subjetividade aflora independente da sua vontade objetiva. Nessa simbiose a veia artística se desenvolve externando objetividade e subjetividade e se consubstanciando no coração da obra: A sua essência e que, na duração do fazer e se fazer, culminará na sua existência.

O processo de criação exige do artista, de forma inconsciente, àquilo que lhe é próprio: a sensibilidade. É pela sensibilidade que se processa todo o arcabouço de uma obra e é pela sensibilidade que o artista a tem pronta antes mesmo de externar um só pingo de tinta em uma tela, um só pingo de caneta no papel, um só dedilhado no teclado do piano. A obra, assim, existe sem existir; vive sem ainda ter nascido. Aqui, exatamente aqui, ela tem um "dono" que lhe possibilitará o sopro da existência; ela, a obra, vive no artista, lhe é intrínseca, faz parte da sua alma. Ela é o sangue de vida do útero materno; o sêmen não processado pelo acasalamento, mas que vive em potência; pela potência de Ser.

Arduamente o artista transforma a potência em Ser, ao estabelecer o liame entre a sensibilidade e o processo de criação. Assim o artista e a obra, se fazem; uma obra tem na sua essência a sensibilidade do artista e, ao mesmo tempo, é o artista. Contém na sua composição pragmática toda essência potencializada na criação que se fez e foi feita. Enquanto o artista faz a obra a obra se faz com o artista. Esse caminho de mãos dadas, onde se misturam emoções, pensamentos, realidade e irrealidade; sensibilidade, manifestações inconscientes faz da obra em formação sempre inacabada; sendo criada ao mesmo tempo em que se cria. O artista cria a obra e a obra se cria com o artista. Uma obra de arte em criação nunca é, nem mesmo um esboço; a primeira pincelada, a primeira tentativa de aformoseamento aflora-se pela sensibilidade artística uma parceria entre aquilo que é pensado ou projetado e aquilo que vai se processando na criação.

Assim, pois, a obra de arte nunca é; ela está sempre em formação, pois a sua estrutura pragmática, a sua existência, será sempre aberta e a cada olhar se manifestará em processo, estando sempre em constante superação daquilo que é para aquilo que tem potência de Ser.

Exatamente nessa constante superação alia-se ao artista e à obra o seu objetivo: deixar-se ver; mostrar-se; encantar e desencantar. Questionar e despertar sonhos ou verdades. A obra é, pois livre e aqui perde a paternidade e se coloca aberta a interpretações. Ela é, por si só, uma infinidade de possibilidades interpretativas e satisfaz a cada uma dessas interpretações por estar aberta justamente a todas essas interpretações. A obra não é mais do artista, não tem mais "dono"; rompeu-se o ínfimo fio de ligação entre o criador e sua criação. Nem mesmo a própria obra é mais dona de si, pois sua extensão é infinita.

Assim, pois se vê na obra de arte o sonho, a realidade, a quimera, a verdade, a ilusão, a vida e a alma; a música e a poesia. Nessa dança em que o autor e a obra embalam àqueles que se misturam com seus olhares e com suas almas processa-se o ápice da escalada ao infinito do artista.


A FORÇA EXPRESSIVA DE UMA OBRA DE ARTE

Ghost Obra em Óleo, tela 86x63, emoldurada em quadro de madeira especial, criação do Artista Vanderlei Assis, é uma dessas exceções em que a objetividade se apresenta tão forte que a interpretação das almas mais suscetíveis à verdade expressada chegam a chocar-se. Nela o artista sobrevoou o mundo do alto da sua alma criativa e apontou, pincelada a pincelada, o caminho existencial de toda criatura. Com tons fortes expressando a natureza e brandamente, aqui e acolá, possibilitando um pequeno vazio para a fuga da realidade, onde àqueles que são tocados podem respirar e recompor-se de uma verdade inalienável, dura e única, impossível de fuga ou de postergação.

A verdade expressada por Vanderlei Assis tornou sua Obra, apresentada no Vernissage do Salão Verde da Câmara dos Deputados, em debates acalorados sobre a existência humana e os caminhos desconhecidos depois da transição entre o Ser e o Não ser. Um misto de tentativas e elucubrações filosófico-teológicas se desenvolveu durante os dias da exposição e, quiçá, durante as noites em que àqueles que lá estiveram deixaram seus pensamentos conduzir-nos aos devaneios de uma realidade impossível de se desfazer ou de se mudar.

O quadro é atípico, pois foi rejeitado pela filha do artista que viu, naquela obra, a retratação de uma caminhada existencial associada a seus pais. Claro uma interpretação também atípica, pois envolveu a passionalidade, compreensível pela ligação emocional.
Foi por essa atipicidade que o quadro envolveu tantas outras pessoas, entre debates acalorados e as tentativas de estabelecerem-se primazias filosóficas ou teológicas nos argumentos de mesa de bar.

Por atenção, amizade e o fugaz coleguismo de atividade, que nos levou a estreitar mais ainda nossos laços ideológicos, fui brindado com a preferência para aquisição de Ghost sem que houvesse lances de leilão, comuns em situações de disputas por obras de arte. O quadro acompanha-me desde aquela época e tem uma história não só esboçada na surpresa pelo choque da sua expressão causado na filha do artista como pela sua “sobrevivência” ao incêndio que destruiu minha biblioteca, consumindo uma infinidade de livros raros e o acervo de obras de arte amealhado em mais de 40 anos, entre outras raridades. Sobreviveu Ghost que, por ironia, expressa uma objetividade existencial irrefutável: O viver e o morrer!


O ARTISTA

Vanderlei Assis é um desses artistas difíceis de encontrar nos catálogos comuns dos Marchands, pois ele é especial sem querer sê-lo. Sua generosidade humana, desvestida do ego, do pragmatismo fútil e comercial, do esnobismo e do convencimento ilusório; sua tranquilidade, irradiando paz mesmo em meio a uma guerra; a leveza de sua alma que colhe do nada a semente para frutificar a obra, criando belas ilusões ou afrontando-nos com verdades absolutas, que por vezes fugimos de ver, ou de aceitar, são mostras da sua potencialidade como Artista.

Esse Vanderlei-Artista conheci muito tempo depois de com ele transitar por caminhos eivados de espinhos na estrada política. Nosso trânsito pelas áridas estradas que possibilitam encontros e desencontros, nos debates ideológicos, não me deixaram ver no colega político um Artista com a sensibilidade que ora reconheço. Médico, Físico, Professor e Matemático o Artista Vanderlei se completa na Arte e a Arte o completa. Suas várias obras retratam desde o rosto desconhecido expressando a existência humana, passando pelas fotografias da sua terra, o Rio de Janeiro, onde o mar é a mansidão e a infinitude, até um surréalisme francês cunhado por André Breton com base na ideia de "estado de fantasia supranaturalista" de Guillaume Apollinaire, e que traz um sentido de fuga da realidade comum, transpondo-se para uma supra realidade. Essa tentativa de resolver uma contradição antiga entre sonho e realidade criando uma realidade absoluta faz daqueles e dos atuais artistas exploradores, nas artes, do imaginário e dos impulsos ocultos na mente.

Vanderlei seguramente tem do seu público, de seus admiradores e dos seus companheiros de tantas lutas, algumas perdidas, outras vencidas, sem que vencer tenha sido a glória, mas sim a compensação pelo esforço de se querer o melhor para àqueles que habitam este mundo que nos foi dado por emanação, tem, sim, seguramente uma gratidão pela sua generosidade humana expressada por la sympathie de l'artiste.


Ghost Obra em Óleo, tela 86x63, emoldurada em quadro de madeira especial, criação do Artista Vanderlei Assis.



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