sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

ELA NUNCA ESTEVE NO PALCO

 

Um artista que caminhava em direção ao microfone empurrado pela estrutura que faz do homem escravo, marionete, joguete de um poder abstrato que nos suga, absorve, consome nosso sangue até a última gota e quando nada mais resta espreme até que saia o suspiro da morte.

Assim foi a existência de Amy Winehouse, talvez como tantos mais, que são sustentados com vida, apesar de suas almas estarem mortas.

O olhar no vazio demonstrava sua fuga do presente, da realidade que a envolvia, que a dominava e que dela tirava o sangue para deleite de muitos que a rodeavam ou daqueles que a adoravam sem saber que sua presença e seu talento eram fantasmas que se punham de pé amparados pelo establishment que a tudo controla, que a todos conduz ao inferno de ostentações e ilusões.

Amy nunca esteve presente em suas apresentações; seu olhar no vazio denunciava medo, fragilidade, tristeza, dor, angústia; as mãos crispadas como querendo proteger-se de um monstro invisível que sempre a assediou e que a levou à miséria humana.

A plateia sorria quando ela ensaiava uma frase que parecia engraçada; gargalhavam com a ignorância de olharem sem ver, sem nada vislumbrarem da essência; via-se de Amy somente a frágil existência, que se agarrava ao nada, ao vazio, ao fantasioso circo de ilusões com palhaços e equilibristas existenciais. Seu grande talento viveu em um corpo apático por uma alma sofrida; doentia e dependente.

Nunca fui fã de Amy, nunca escutei suas canções como um entusiasta, tampouco como um devoto; não posso dizer que fui seu admirador, como também não posso de forma alguma contestar seu talento. Eu a via como uma grande artista, fato inegável; mas suas canções não estavam entre as minhas preferidas. Entretanto, quando observava seu rosto sofrido, tentando como um autômato gerar alegria e deleite para outros, me compadecia da sua dor escondida. Amy Winehouse nunca esteve inteira em um palco; sua alma não estava presente e seu corpo denotava vontade de fugir do mundo.

A compaixão é um sentimento que pode gerar no outro mais tristeza do que conforto e àquela artista, pelo seu talento, e por suas decisão em ser o que foi, não merece que se tenha pena pelos atos que decidiu tomar durante sua vida e pelos que a vida lhe reservou, pois a decisão de ser ou de estar no mundo é de cada um de nós, humanos, mas escrever sobre o que se observou de um artista cujo talento musicista vai integrar a história, pode ser um tributo àquela alma que esteve na existência humana tão distante do seu corpo.

À Amy Winehouse!

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